sábado, 26 de fevereiro de 2011

Língua portuguesa: Linguagens

Rios sem discurso
Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma,
e porque assim estanque, estancada;
e mais: porque assim estancada, muda
e muda porque com nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.

O curso de um rio, seu discurso-rio,
chega raramente a se reatar de vez;
um rio precisa de muito fio de água
para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloqüência de uma cheia
lhe impondo interina outra linguagem,
um rio precisa de muita água em fios
para que todos os poços se enfrasem:
se reatando, de um para outro poço,
em frases curtas, então frase e frase,
até a sentença-rio do discurso único
em que se tem voz a seca ele combate.
(MELO NETO, João Cabral de.
In: A educação pela pedra. Rio de Janeiro:
José Olympio. 1979, p.26.)

1.    O poeta fala de uma situação natural que tem conseqüências sociais: a seca do rio. Para isso, vale-se de uma associação entre o rio e a linguagem verbal. De que maneira ele constrói essa ligação?
2.   Uma “cheia” corresponderia a uma linguagem nova segundo a poesia. E a água em poço? Observe os adjetivos que lhe são atribuídos e explique o sentido.
3.   A língua é um código sistematizado. Explique de que maneira o autor explora essa característica ao fazer a analogia com um rio que secou.
4.   O autor introduz duas palavras compostas: “discurso-rio” e “sentença-rio”. Comente a diferença de significado dos termos dentro do contexto do poema e levando em conta as noções de linguagem estudadas.
5.   Relacione e contraponha os dois últimos parágrafos do texto “Mé” aos dois últimos versos do poema. Explique o uso das palavras “poder” e “combate” ligadas ao uso da linguagem.

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